domingo, 1 de abril de 2007

Opinião

A realidade do Processo de Bolonha!



A implantação do processo de Bolonha nos estabelecimentos de Ensino Superior entrou, neste ano lectivo 2006/2007, em acelerada execução. São já muitas as escolas, institutos, politécnicos e universidades que transitaram muito dos seus cursos para o modelo imposto pelo processo e têm planos para no próximo ano chegarem perto da totalidade dos cursos.
Ao fim de alguns anos de discussão em torno da implementação do Processo de Bolonha, temos a infeliz constatação da realidade para atestar a certeza das tantas criticas que se fizeram ouvir, e tenho a completa visão do problema sério que Bolonha é para o ensino superior público e para o acesso dos filhos do povo à formação superior no nosso país, e dos colegas dos restantes países europeus afectados.
Se muitos afirmam hoje que Bolonha é uma declaração de intenções interessante, que tem como principal vector a criação de um espaço europeu de educação do qual não podemos ficar fora, é preciso reafirmar, em contraponto a esse discurso, que desde o seu início a Declaração de Bolonha não se compromete com a defesa de um ensino europeu público, gratuito, universal e de qualidade, mas pelo contrário é desde o seu início o projecto de aplicação do neoliberalismo na área da educação, numa clara intenção de privatização e elitização deste sector (tal como são aplicadas por toda a União Europeia medidas no mesmo sentido de privatização a outros sectores públicos).
A realidade começa já a demonstrar que os vectores da mobilidade, competitividade e empregabilidade da Declaração de Bolonha têm uma face dura. Sem querer entrar, nesta resolução, na discussão do conceito e da política atribuída ao termo “empregabilidade”, é por demais evidente a desvalorização que as novas licenciaturas obterão, a par de uma menor formação do estudante, e como tal, um novo obstáculo tanto no acesso ao emprego como a remunerações mais altas. A mobilidade é desde logo comprometida por aquilo que eram os apoios actuais ao programa Erasmus e às bolsas para estudar no estrangeiro, além de que o governo PS acaba de cortar em 50% os apoios a este programa, o que por si só inviabiliza qualquer pretensão de intercâmbio, mais uma vez quem não tem meios económicos ficará cá dentro. A competitividade se em teoria já era má, na prática é absolutamente desastrosa, começa pelos politécnicos não terem acesso aos 2ºCiclos, e muito provavelmente algumas universidades em alguns cursos também não. A criação de classificações de universidades fará com que umas sejam mais apoiadas e financiadas que outras tornando ainda mais desigual o ensino, onde certamente só acederá às “boas” universidades aqueles que as puderem pagar; para ajudar, a criação de centros de excelência sugará os cérebros dos vários países para aqueles que tenham o capital para o investir e rentabilizar. A verdadeira magia da burguesia europeia com o processo de Bolonha, falhadas inúmeras tentativas anteriores para privatizar o ensino europeu, e das suas organizações UE, FMI, BM, OMC, além dos seus próprios estados, é transformá-lo numa alavanca da acumulação de capital e garantir uma maior adaptação dos conteúdos ao serviço dessa mesma acumulação, sob uma capa de inovação e melhoria pedagógica, e de “el dorado” da mobilidade europeia para estudantes e professores.
As consequências são graves para aqueles que trabalham e para os seus filhos, com menos professores necessários, menos recursos afectados para materiais, para laboratórios e aulas, até porque apenas o 2ºCiclo terá acesso a cadeiras mais especializadas com mais necessidades, menos funcionários, menos acção social, mais propinas com aumentos indecorosos no 2ºciclo, substituição de bolsas por empréstimos, e tudo isto para apenas 3 anos de licenciatura. Os ritmos de estudo estão a aumentar numa média de 40 a 45h semanais de estudo (entre aulas e trabalhos); assim, é cada vez mais difícil conseguir combinar o estudo com o trabalho (com Bolonha os trabalhadores-estudantes são uma «espécie em vias de extinção»), ou com actividades de participação democrática e intervenção social nas Universidades e na sociedade em geral. É um verdadeiro roubo à nossa dignidade, ao nosso direito à educação, ao nosso direito à universabilidade do saber e ao desejo de melhoria das nossas condições de vida.

Marco Loureiro
Presidente do Núcleo de Estudantes de ASC

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